Luan Cristianismo de Azevedo. Livro "Tribunal do Júri - Análise Crítica". Conhecimento Livraria e Distribuidora, 2018, Belo Horizonte. Capítulo 4.7: "Relação dos Argumentos Favoráveis À Regulamentação Infraconstitucional do Tribunal do Júri e Caso Real: Irmãos Naves".
O caso em si
O caso dos irmãos Naves aconteceu na cidade mineira de Araguari, em 1937. Benedito Caetano foi realizar, nessa cidade, um grande negócio de venda de arroz, que renderia um lucro de noventa contos, quarenta e oito mil e 500 réis, cujo valor, à época, constituía uma fortuna. Ficou hospedado na casa de seu sócio Joaquim Naves, irmão de Sebastião Naves, este era empregado dos dois.
[...]
Inexplicavelmente, o hóspede Benedito levantou-se de noite e saiu de casa, sorrateiramente, sem se despedir de ninguém, voltando para a fazenda dos pais, em sua cidade natal, Ponte Nova. Nos dias seguintes, por coincidência, os irmãos Naves compraram um caminhão novo, fato comentado por todos na cidade, e alguns o relacionaram com o desaparecimento de Benedito.
-- JÚNIOR, JOSÉ CRETELLA. Crimes e Julgamentos Famosos. edi. 1. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2007.p. 29.
Os irmãos Naves foram levados à sessão do Júri, em 26 de junho de 1938. No decorrer do julgamento ficou evidente que os mesmos eram inocentes, uma vez que, asseverou o defensor, não havia sido encontrado o corpo de Benedito, bem como o dinheiro. Assim, restou a falsa confissão dos réus, que fora conseguida por meio de tortura promovida pelo tentente Francisco Vieira. Nesses termos, no dia 28 de junho de 1938 foram considerados inocentes.
No entanto, o promotor público recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado da decisão proferida pelo Conselho de Sentença, em Araguari. Destarte, foi cassada a decisão não-unânime, por conseguinte, os irmãos são submetidos a um outro julgamento pelo júri popular. No entanto, são novamente absolvidos pelos jurados. Como discorrem Jean-Claude Bernadet e Luis Sérgio Person:
[...] O Tribunal de Justiça do Estado acolhe a apelação da Promotoria e anula o processo por falta de votação dos quesitos de co-autoria. Pela segunda vez, os Naves são absolvidos pelo júri de Araguari, mas de novo com um voto contrário.
-- BERNADET, Jean-Claude; PERSON, Luis Sérgio. O Caso Irmãos Naves (Chifre em Cabeça de Cavalo). ed. 1. São Paulo: Cultura. 2004. p. 209 - 210.
Entretanto, em 1939, devido ao julgamento não ser unânime, o Parquet interpôs outro recurso. Assim, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cassou a decisão do Conselho de Sentença e, por conseguinte, são condenados a cumprir pena vinte cinco anos e seis meses de reclusão, bem como uma multa de um quarto do produto financeiro do crime. Tendo em vista que o Decreto nº 167/1938 permitia que os Tribunais substituíssem a decisão de mérito proferida pelos jurados, assim, nesse período o Júri perdeu a soberania dos seus veredictos. Como discorrem Jean-Claude Bernadet e Luis Sérgio Person:
[...] Os irmãos Naves são julgados pela terceira vez e condenados a 25 anos e 6 meses de reclusão pelos juízes do Tribunal de Justiça do Estado, que, em suas conclusões, afirmam: [...] A pronúncia bem apreciou a prova com atenta análise. (...) Dificilmente se fará tão plena prova da autoria de latrocínio.
-- BERNADET, Jean-Claude; PERSON, Luis Sérgio. O Caso Irmãos Naves (Chifre em Cabeça de Cavalo). ed. 1. São Paulo: Cultura. 2004. p. 210 - 211.
Em 1940, a defesa ajuizou uma revisão criminal requerendo a absolvição, porém o Tribunal de Justiça não deu provimento a tal pedido. Todavia, reduziu a pena dos réus para o importe de dezesseis anos e seis meses.
Ademais, em 1942, os irmãos postulam a concessão de indulto, o qual não foi atendido pelo presidente Getúlio Vargas. Nessa toada, somente em 1946 deixam o cárcere, devido ao deferimento do pedido de livramento condicional. Contudo, Joaquim morre dois anos depois. [...]
Em 24 de julho de 1952, Benedito Caetano retorna à fazenda de seus pais em Ponte Nova, onde se encontra com Sebastião José Naves, sendo que este o leva até à cidade e, consequentemente, em tal local é preso. Tal como descrevem Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person:
[...] Sebastião José Naves encontra Benedito Pereira Caetano, escondido na fazenda do pai, para onde ele voltou depois de quinze anos. Ele não podia ser acusado de nada. Nada tinha a ver com o caso.
-- BERNADET, Jean-Claude; PERSON, Luis Sérgio. O Caso Irmãos Naves (Chifre em Cabeça de Cavalo). ed. 1. São Paulo: Cultura. 2004. p. 212.
Por fim, Sebastião e a esposa do seu irmão já falecido ajuízam outra revisão criminal, esta foi deferida, assim como a indenização pleiteada. Tal como relatam Jean-Claude Bernadet e Luis Sérgio Person:
[...] Sebastião morre em 1964, dois anos depois de conseguir com o advogado Alamy, através de duras batalhas judiciais, uma indenização por aquilo que se resolveu chamar o Tremendo erro judiciário de Araguari.
-- BERNADET, Jean-Claude; PERSON, Luis Sérgio. O Caso Irmãos Naves (Chifre em Cabeça de Cavalo). ed. 1. São Paulo: Cultura. 2004. p. 212.
Argumentos favoráveis à regulamentação infraconstitucional do Tribunal do Júri
Nesse momento passa-se a traçar uma relação entre os argumentos favoráveis à regulamentação infraconstitucional do Tribunal do Júri e o caso em tela. Os críticos aduzem que os jurados não possuem, em regra, conhecimento jurídico para julgar os crimes dolosos contra a vida, tendo em vista que a ciência do direito é complexa, assim, não teriam condições de apreciar as provas produzidas pelas partes, bem como os institutos correspondentes. Dessa forma, tal tarefa deve ser atribuída aos magistrados de carreira.
No entanto, os defensores da regulamentação infraconstitucional do Tribunal do Júri aduzem que em se tratando de um órgão coletivo estará sujeito a menos equívocos, visto que sete cabeças pensam melhor que uma.
Nesse diapasão, os magistrados, mesmo que possuam conhecimento jurídico, estão sujeitos a equívocos em decorrência de diversos fatores, dentre eles: excesso de serviço, a própria negligência, interesses particulares, etc.
Quando se trata dos crimes de competência do Tribunal do Júri envolvem-se no julgamento os bens jurídicos mais importantes, quais sejam, a vida e a liberdade. Assim sendo, os jurados possuem maior afeição à relevância destes do que os juízes de carreira.
No caso em apreço, os irmãos Naves foram julgados por duas vezes pelos jurados leigos, sendo que nessas duas ocasiões foram absolvidos corretamente. Entretanto, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cassou a segunda decisão do júri popular e, por conseguinte, os condenou a vinte e seis anos e seis meses reclusão, bem como multa de um quarto do produto financeiro do crime.
O julgamento que condenou os irmãos Naves ocorreu, em 1939, nesta época o princípio da soberania dos veredictos foi afastado do Tribunal do Júri. Haja vista que o Decreto nº 167/1938 estabelecia que as decisões de mérito poderiam ser revistas pelo Tribunal de Justiça, caso a decisão proferida pelo Conselho de Sentença fosse injusta, ou seja, se contrariasse as provas constantes nos autos, bem como as produzidas em plenário ou se houvesse nulidade posterior a pronúncia. Nesse sentido, previam os artigos 92 e 96, ambos pertencentes ao decreto supracitado, em seus termos:
Art. 92 A apelação somente pode ter por fundamento:a) nulidade posterior à pronúncia;b) injustiça da decisão, por sua completa divergência com as provas existentes nos autos ou produzidas em plenário.
Art. 96. Si, apreciando livremente as provas produzidas, quer no sumário de culpa, quer no plenário de julgamento, o Tribunal de Apelação se convencer de que a decisão do júri nenhum apoio encontra nos autos, dará provimento à apelação, para aplicar a pena justa, ou absolver o réu, conforme o caso.
-- Decreto-Lei n. 167, de 5 de janeiro de 1938.
Portanto, percebe-se que os jurados, muito embora desprovidos de conhecimento na seara do direito, acertaram por duas vezes. Por outro lado, os desambargadores, mesmo detentores de notório saber jurídico, cometeram o mais conhecido erro da história do Poder Jurídico Brasileiro.
Os defensores asseveram que o Tribunal do Júri reforça a noção de Estado Democrático de Direito, uma vez que possibilita a qualquer um da sociedade cadastrar-se como jurado; para tanto, basta preencher os requisitos elencados no artigo 436 do Código de Processo Penal, quais sejam: ser maior de dezeito anos e possuir idoneidade moral.
No caso em comento, as pessoas que não integravam o Poder Judiciário puderam julgar os irmãos Naves, muito embora a decisão fora substituída, pois à época vigorava o Decreto nº 167/1938 e, em virtude deste, o veredicto emanado do Conselho de Sentença não era soberano.
Existem estudiosos que criticam o princípio da soberania dos veredictos, tendo em vista que este inviabiliza que as decisões proferidas pelo Conselho de Sentença sejam reformadas no que tange à procedência ou não da pretensão punitiva estatal. No entanto, os defensores da regulamentação infraconstitucional assevera que na inexistência do supracitado princípio o Tribunal do Júri perderia a sua essência, qual seja, o julgamento pelos pares, pois um órgão do Poder Judiciário poderia substituir o mérito do provimento jurisdicional.
Os irmãos Naves foram absolvidos duas vezes pelo Conselho de Sentença, haja em vista que não fora encontrado o corpo da vítima, bem como o dinheiro supostamente subtraído. Contudo, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cassou a decisão e, por conseguinte, foram condenados a cumprir pena de vinte cinco anos e seis meses de reclusão, bem como multa de um quarto do produto financeiro do crime. Portanto, em virtude do Decreto 167/1938 ter retirado a soberania dos veredictos os réus foram injustamente condenados.
No dia 27 de junho, reuniu-se novamente o júri e entram em atrito o promotor e o advogado defesa, encerrando-se as discussões de madrugada. Os réus foram absolvidos por 6 votos contra um. O promotor recorreu ao Tribunal de Justiça de Belo Horizonte, que reformou a decisão do júri, levando os acusados a novo julgamento, que terminou em 22 de março de 1939. Nova Absolvição. O país na ocasião, era governado por Getúlio Vargas, e mero decreto presidencial transferiu o caso para o tribunal de apelação, que anulou a decisão do Tribunal de Justiça, condenando os acusados a 25 anos de prisão.
-- JÚNIOR, JOSÉ CRETELLA. Crimes e Julgamentos Famosos. ed. 1. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2007.p. 30.M
Por fim, os defensores do Júri Popular aduzem que os crimes dolosos contra a vida são passíveis de cometimento por qualquer pessoa da sociedade, haja vista o momento excepcional em que se encontra o indivíduo, diferentemente do que ocorre nos crimes contra o patrimônio, por exemplo. Dessa forma, os jurados possuem maior sensibilidade no tratamento com esses casos esporádicos. Nessa toada, sendo os irmãos Naves acusados de um delito de homicídio, nada mais plausível do que serem julgados pelo Conselho de Sentença.